segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A Mensagem da Reforma para os Dias de Hoje (parte 3)

por F. Solano Portela Neto


III. ESQUECIMENTO DOUTRINÁRIO DOS PRINCÍPIOS DA REFORMA


Muitas das comemorações conjuntas da Reforma por católicos e protestantes, descritas acima, só ocorrem porque não se falam nas doutrinas principais levantadas pelo movimento do século XVI. Tristemente, temos observado que mesmo no campo chamado "evangélico" a situação é semelhante. Raras são as igrejas e denominações evangélicas que ensinam o que foi a Reforma do Século XVI e muito poucas as que comemoram o evento e aproveitam para relembrar e reaplicar os princípios nela levantados. Mais recentemente, temos observado que tem sido removida a clara linha que separa o protestantismo do catolicismo quanto ao entendimento da fé cristã e da salvação. Isso, que até alguns anos atrás era praticado somente pela teologia liberal - que já havia declaradamente abandonado os princípios norteadores da Palavra de Deus - hoje está presente no campo protestante evangélico.


Essa falta de discernimento e conhecimento histórico, prático e teológico tem-se achado até mesmo dentro do campo ortodoxo, incluindo teólogos reformados e tradicionais. Referimo-nos ao documento "Evangélicos e Católicos Juntos" (Evangelicals and Catholics Together), publicado em 1994 nos Estados Unidos, e que tem sido uma fonte de controvérsia desde a sua divulgação.


A base e intenção do documento foi a realização de ações conjuntas de cunho moral-político por católicos e protestantes, mas ele evidencia uma grande falta de discernimento e sabedoria. Por exemplo, o documento defende que as pessoas convertidas devem ser respeitadas na decisão de se filiar ou a uma igreja católica ou a uma protestante. Estas declarações foram emitidas como se a fé fosse a mesma, como se a doutrina fosse igual, como se a base dos ensinamentos fosse comum, como se as distinções inexistissem ou fossem extremamente secundárias.


A premissa básica do documento "Evangélicos e Católicos Juntos" é que a evangelização de católicos é algo indesejável e não recomendável, uma vez que a verdadeira fé e prática cristã já devem estar presentes na Igreja de Roma. Em sua essência, esse documento é a grande evidência do esquecimento da Reforma do Século XVI e do que ela representou e representa para a verdadeira Igreja de Cristo.


Algum evangélico poderia argumentar, "mas isso é coisa de americano, não atinge o nosso país!" Ledo engano! A conhecida e prestigiada Revista Ultimato trouxe em suas páginas, no número de setembro de 1996, artigos e depoimentos advindos do campo evangélico ortodoxo, refletindo basicamente a mesma compreensão do documento "Evangélicos e Católicos Juntos", ou seja: que as distinções relativas à Igreja de Roma seriam secundárias e não essenciais.


Tal situação reflete pelo menos uma crassa ignorância da doutrina católica romana. Por exemplo os cânones 9 e 11 do Concílio de Trento, escritos no auge da Contra-Reforma, mas nunca abrogados até os dias de hoje, dizem o seguinte:


Cânon 9—Se alguém disser que o pecador é justificado somente pela fé, querendo dizer que nada coopera com a fé para a obtenção da graça da justificação; e se alguém disser que as pessoas não são preparadas e predispostas pela ação de sua própria vontade—que seja maldito.


Cânon 11—Se alguém disser que os homens são justificados unicamente pela imputação da justiça de Cristo ou unicamente pela remissão dos seus pecados, excluindo a graça e amor que são derramados em seus corações pelo Espírito Santo, e que permanece neles; ou se alguém disser que a graça pela qual somos justificados reflete somente a vontade de Deus—que seja maldito.


Estas declarações, ou melhor, maldições, foram pronunciadas contra os protestantes. Elas atingem o cerne da doutrina da justificação somente pela fé e são contrárias à defesa inabalável da soberania de Deus na salvação, proclamada pela Reforma do Século XVI. Essas maldições continuam fazendo parte dos ensinamentos da Igreja Católica.


A visão distorcida do Evangelho e da evangelização, no campo católico romano, não é algo que data apenas da Era Medieval. Vejam esta declaração extraída da encíclica papal "O Evangelho da Vida," escrita e divulgada à Igreja em 1995:


O Evangelho é a proclamação de que Jesus possui um relacionamento singular com todas as pessoas. Isso faz com que vejamos em cada face humana a face de Cristo.


Certamente teríamos que chamar esta visão do Evangelho de universalismo e declará-la contrária à fé cristã histórica.


Perante esse emaranhado de opiniões tão diferenciadas; perante o testemunho e o registro implacável da história; perante a crise de identidade, de doutrina e de prática litúrgica que nossas igrejas atravessam, qual deve ser a nossa compreensão da Reforma?

FONTE: (Publicado em O Presbiteriano Conservador na edição de Setembro/Outubro de 1997) 

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