quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Sola Scriptura


Por: Frank Brito




... As Escrituras de Deus são suficientes para instruir e aperfeiçoar o homem de Deus, e assim afirmamos e declaramos que a sua autoridade vem de Deus e não depende de homem ou de anjo... (Confissão de Fé Escocesa)

Em toda conclusão sobre a realidade, existem premissas que são os determinadores daquela realidade, e aquelas premissas, por sua vez, são conclusões de outras. Um bom exemplo disso é a frase: "Frank Brito é baiano",
a palavra "Frank Brito" aponta para uma pessoa, no entanto, ela pode estar se referindo ao mesmo tempo para várias pessoas diferentes, pois existem muitos nomes iguais a esse. Mas, se contextualmente soubermos quem seja o “Frank Brito” da frase acima, tal informação passa a delimitar que Frank Brito é esse, no caso o autor desse texto.
A palavra "baiano" por sua vez aponta apenas para o local de nascimento dele. Com base nessa afirmação de que "Frank Brito é baiano", poderíamos chegar a seguinte conclusão: "Frank Brito nasceu no Brasil".
A conclusão que "Frank Brito nasceu no Brasil" é baseada na premissa já aceita de que ele é baiano. E o fato dele ser baiano me leva a concluir que ele é brasileiro. Ser baiano é o fator determinante para ser brasileiro.
Mas repetindo o que foi dito anteriormente, sobre confusão relacionada à determinação/não-determinação. Se alguém não soubesse minha nacionalidade e encontrasse minha certidão, ela poderia dizer: Frank Brito é baiano. E alguém poderia dizer Frank Brito é baiano porque sua certidão diz que é. Essa última frase não seria a causa do Frank ser Baiano. A certidão em si não é a causa determinante dele ser baiano. Nascer naquela região do Brasil é que foi a causa determinante. A certidão revela aquilo que já era uma realidade. A certidão não determinou aquilo que a realidade seria. Se estivesse escrito erroneamente lá "gaúcho" isso não mudaria o fato de que ele nasceu na Bahia e, portanto é baiano.
A confusão entre uma coisa de outra é a causa de muitos infernos da sociedade moderna. O homem moderno é caracterizado pela crença de que ele seja um determinador do que a realidade é. Se ele decreta que dois homens sejam casados, ele acredita que eles serão de fato casados. O conceito de casamento é, pra ele, uma determinação dele. Se ele decreta que X é correto, então X é correto. Inúmeros exemplos poderiam ser dados. 
Mas não é verdade que o homem não tenha qualquer poder de determinação. A minha chefe tem o poder de fazer com que eu não trabalhe mais no meu emprego por exemplo. Mas, como eu mostrei acima, todo poder de determinação depende de uma causa real entre o determinador e aquilo que é determinado.
Antes de falarmos da natureza das Escrituras propriamente dita e de que forma sua autoridade e validade, falarei de forma mais ampla de como a Escritura descrevem a natureza da Revelação/Palavra de Deus. Desde os primeiros capítulos de Gênesis, a Bíblia traça uma distinção de extrema importância entre o que é a Palavra de Deus e o que não é.

“Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim? E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos, Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais. Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus...” (Gênesis 3:1-5).
A sugestão do Diabo era que a Palavra de Deus não condizia com a realidade, mas que a sua própria palavra era a verdade, determinando assim o que era a realidade. A sugestão do Diabo era que a Palavra dita por Deus poderia e deveria ser substituída por outra palavra, outra ordem, outro sistema como o determinador do bem e do mal, daquilo que as coisas realmente eram. Essa é a essência de todo pecado, ou seja a idéia de que o homem possa estabelecer as suas próprias palavras, o próprio julgamento, a própria opinião, a própria tradição no lugar da Palavra do Senhor.
Isso por si só deve fazer com que tenhamos muito cuidado para discernir se o que temos dito vem de nós mesmos ou se são verdadeiramente a Palavra do Deus. A Palavra do Senhor não pode ser misturada com as palavras dos homens. Misturar as palavras do Senhor com as palavras dos homens é a essência do pecado. Substituir ou confundir as palavras dos homens com a Palavra do Senhor é tratado na Bíblia inteira, de Gênesis a Apocalipse, como um ataque contra a própria Soberania de Deus, por ser uma tentativa de entronizar o homem, por meio de suas próprias palavras e juízos, como sendo o verdadeiro Soberano.
Essa substituição acontece de diferentes maneiras no decorrer de toda a História Bíblica. Eu vou relatar algumas que irão demonstrar como a questão das Escrituras devem ser encaradas da mesma maneira. Eu vou mostrar qual era a relação da Revelação de Deus com as opiniões dos homens dentro da própria Escritura, dessa forma, analisando internamente nas Escrituras que servirão de base pra você ver que tipo de abordagem nós devemos ter com a própria Escritura. Eu quero que você veja que o meio de validação das Escrituras que eu estou sugerindo aqui é o meio apontado pelas próprias Escrituras.

Vamos lá então...
"Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra. Assim partiu Abrão como o SENHOR lhe tinha dito, e foi Ló com ele; e era Abrão da idade de setenta e cinco anos quando saiu de Harã". (Gênesis 12:1-4)

Esse é o primeiro texto que narra a vocação de Abraão. 

Não sabemos até que ponto Abraão tinha ligação com o paganismo. Existe grande possibilidade dele até ter sido um pagão. E dentro disso, é preciso notar algo muito, muito importante. Precisamos notar o contexto epistemológico de Abraão e de sua obediência a Deus.
O Senhor mandou. Abraão obedeceu. Mas poucos se dão conta das circunstâncias na qual a obediência de Abraão aconteceu. Certa vez eu vi uma entrevista do ateísta, Richard Dawkins, em que ele disse que ele só creria em Deus se Deus aparecesse pra ele. Isso é algo revelador sobre a natureza do empirismo e da epistemologia. E é algo muito importante para a gente comparar com as circunstâncias de Abraão e também de que forma a Palavra de Deus é validade.
No mundo moderno, onde reina o materialismo e o anti-sobrenatural, a consequência lógica é que qualquer sobrenatural é considerado como sendo uma validação importantíssima.
Mas o que precisamos entender é o seguinte. No mundo de Abraão, os deuses pagãos tinham sinais também. Na verdade, eles continuam tendo sinais. A diferença é que o domínio da cosmovisão materialista e anti-sobrenatural abafa isso.
Pegue só o exemplo de Sócrates. Os registros históricos não deixam dúvidas de que ele conversava com demônios. Não foi só Moisés que fez a vara virar serpente. Os magos de Faraó também fizeram. Os pagãos não eram cativos de deuses sem qualquer manifestação real em suas vidas. Eram cativos de deuses cujos sinais poderiam averiguar.
Quando entendermos isso, poderemos "entender" muito do comportamento dos hebreus no deserto. Muitos de nós não conseguimos compreender como os hebreus poderiam ainda ter dúvidas sobre Deus mesmo depois de tantos sinais: "E o povo falou contra Deus e contra Moisés: Por que nos fizestes subir do Egito para que morrêssemos neste deserto? Pois aqui nem pão nem água há; e a nossa alma tem fastio deste pão tão vil". (Números 21.5)

O motivo pelo qual não temos a mínima idéia é porque nós lemos isso com lentes materialistas. No mundo moderno, onde reina o materialismo e o anti-sobrenatural, a consequência lógica é que qualquer sobrenatural é considerado como sendo uma validação importantíssima e decisiva. 

Mas se os magos do Egito fazia sinais também e todo o mundo Egípcio era um mundo cuja cultura era regida pela crença em um panteão de deuses, qual garantia epistemológica os judeus tinham que o Deus que os tinha libertado não era só mais um como os que havia no Egito? Qual era a garantia epistemológica de que realmente Deus era bom e não os tinha tirado de lá só pra matar no deserto?
Qual era a garantia que Abraão tinha que ele realmente deveria confiar na voz que veio até ele? Qual garantia Abraão tinha de que o Deus que lhe enviava era realmente quem dizia ser? Em resumo:
Qual era a base epistemológica pra Abraão reconhecer que a Palavra do Senhor que lhe falara era realmente a Palavra do Senhor a ser ouvida?
"Porque, quando Deus fez a promessa a Abraão, como não tinha outro maior por quem jurasse, jurou por si mesmo, Dizendo: Certamente, abençoando te abençoarei, e multiplicando te multiplicarei. E assim, esperando com paciência, alcançou a promessa. Porque os homens certamente juram por alguém superior a eles, e o juramento para confirmação é, para eles, o fim de toda a contenda". (Hebreus 6.13-16)
Toda declaração de verdade exige um padrão de validação que estabelece tal declaração como verdadeiro. Esse padrão anterior é o pressuposto sobre o qual outras declarações posteriores são validadas. A conclusão não valida o seu pressuposto. O pressuposto valida a conclusão. A conclusão não pode validar o pressuposto porque o pressuposto é que faz a conclusão ser possível de existir. É o que eu disse antes sobre determinador da verdade.
O texto diz que quando Deus jurou a Abraão, ele não tinha outro maior por quem jurasse, jurou por si mesmo. Por que? Porque o que valida Deus não é algo ou anterior a Deus. Deus sendo o Criador, o princípio e o fim, não pode ser validado por nada acima ou anterior a ele, pois nesse caso ele não seria Deus. A natureza de Deus é que a verdade de sua Palavra é garantida pela própria natureza de sua Palavra e não por algo acima ou anterior a sua Palavra que garante que sua Palavra seja verdadeira.

A distinção entre a Palavra de Deus e a palavra dos deuses do Egito não estava em algo acima ou anterior da Palavra de Deus que determinava que a Palavra de Deus aos hebreus fosse verdadeira e a dos deuses do Egito não. A distinção estava na natureza inerente desta Palavra que autenticava a si mesma.
Essa foi a mesma situação diante da qual esteve Eva no Jardim. O que Eva tinha diante dela era a Palavra de Deus contra as palavras da serpente. Ela tinha que escolher entre confiar em uma ou em outra. Qual garantia tinha ela que a Palavra de Deus era a verdadeira? Qual garantia ela tinha que a palavra da serpente não era? Qual era a base epistemológica de distinção?

A distinção existia pela natureza inerente da Palavra de Deus. Usando a terminologia de Calvino, "esta é indubitavelmente autenticada por si mesma".
Agora darei exemplos que demonstram isso ainda mais claramente no âmbito das Escrituras...
"Se não ouvirdes e se não propuserdes, no vosso coração, dar honra ao meu nome, diz o SENHOR dos Exércitos, enviarei a maldição contra vós, e amaldiçoarei as vossas bênçãos; e também já as tenho amaldiçoado, porque não aplicais a isso o coração. Eis que reprovarei a vossa semente, e espalharei esterco sobre os vossos rostos, o esterco das vossas festas solenes; e para junto deste sereis levados. Então sabereis que eu vos enviei este mandamento, para que a minha aliança fosse com Levi, diz o SENHOR dos Exércitos. Minha aliança com ele foi de vida e de paz, e eu lhas dei para que temesse; então temeu-me, e assombrou-se por causa do meu nome. A lei da verdade esteve na sua boca, e a iniqüidade não se achou nos seus lábios; andou comigo em paz e em retidão, e da iniqüidade converteu a muitos. Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e da sua boca devem os homens buscar a lei porque ele é o mensageiro do SENHOR dos Exércitos. Mas vós vos desviastes do caminho; a muitos fizestes tropeçar na lei; corrompestes a aliança de Levi, diz o SENHOR dos Exércitos". (Malaquias 2.2-8)
Para refletir nas implicações deste texto para o nosso tempo aqui, eu vou contar uma situação possível do tempo dos profetas...
Digamos que Amabias fosse um judeu vivendo lá pelo século sexto antes de Cristo. Amabias era um homem fiel a Deus. Buscava fazer o máximo pra estar vivendo conforme as diretrizes dadas por Deus na Lei de Moisés. Como todo ser humano, tinha os seus pecados. Mas logo se arrependia e estava sempre se esforçando pra estar fazendo o que, segundo sabia da Lei de Moisés, era o correto.
Amabias era também muito atencioso com os devidos sacrifícios a Deus. Abominava o paganismo das nações ao redor de Israel, pois tinha consciência que era só a Javé que deveria sacrificar. Escolhia sempre as primícias do seu rebanho, pois sabia que pra Deus deveria ser sempre o melhor.

Além disso, Amabias era muito atento na necessidade de educar seus filhos nos mandamentos de Deus conforme ordenado nos livros da Lei. É assim que vivia e era assim que ensinava seus filhos.
Mas de repente, há uma crise em Jerusalém.
Os levitas “alopram” geral. Começam a introduzir progressivamente elementos do paganismo das nações ao redor na vida de Israel. Com o passar do tempo vai se alastrando até que chegam ao ponto que os levitas, os sacerdotes, sumo sacerdotes em fim, todos estão prestando culto a Baal e acendendo incenso pra rainha dos céus.
A prática não é promovida somente pelo povão, mas por aqueles que trabalham no próprio templo de Deus!
O que, eu lhes pergunto, Amabias deve fazer? Ele deve se manter fiel ao que ele sabe que está escrito na Lei de Moisés? Ou ele deve simplesmente fazer o que o Sumo Sacerdote manda, acender um incenso pra Rainha dos Céus e outro pra Baal?
E mais...
Os filhos e os netos de Amabias? Por qual motivo deveriam crer em Amabias? Se Amabias lhes lembrassem da Lei, eles poderiam argumentar algo muito simples: "Mais, papai/vovô... Quem é o encarregado de ensiná-la e dizer o que a gente tem que fazer senão os levitas? Não foram os levitas que leem e sabem da Lei? Por que você acha que pode questioná-los?"

Qual é a base epistemológica pra Amabias ou seus filhos ou seu netos validarem as Escrituras se as Escrituras tinham vindo dos levitas e ao mesmo tempo contrariava os levitas?
O mesmo problema surge, mas de forma muito mais intensa no período do Novo Testamento. No contexto de Jesus.
Vejamos...

"Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim escreveu ele. Mas, se não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?" (João 5.46-47)
Ai é um dos muitos confrontos de Jesus Cristo aos líderes judaicos. Apesar de professar a fé na doutrina de Moisés, Jesus revela qual era a realidade: Eles não criam de fato naquilo que eles professavam crer. Pois se cressem de fato nos escritos de Moisés, consequentemente creriam em Jesus. Como não criam em Jesus, não poderiam verdadeiramente crer em Moisés.

Vou mostrar outro texto que vai deixar claro onde eu quero chegar...

"E chegou a Éfeso um certo judeu chamado Apolo, natural de Alexandria, homem eloqüente e poderoso nas Escrituras. Este era instruído no caminho do Senhor e, fervoroso de espírito, falava e ensinava diligentemente as coisas do Senhor, conhecendo somente o batismo de João. Ele começou a falar ousadamente na sinagoga; e, quando o ouviram Priscila e Áqüila, o levaram consigo e lhe declararam mais precisamente o caminho de Deus. Querendo ele passar à Acaia, o animaram os irmãos, e escreveram aos discípulos que o recebessem; o qual, tendo chegado, aproveitou muito aos que pela graça criam. Porque com grande veemência, convencia publicamente os judeus, mostrando pelas Escrituras que Jesus era o Cristo". (Atos 18:24-28)

Aqui há pontos muito importantes que precisamos considerar.

Em primeiro lugar, devemos notar qual era o objetivo de Apolo ali. O objetivo de Apolo era demonstrar que Jesus era o Cristo. O meio pelo qual ele demonstraria era a Escritura.
Então o que temos ali é o seguinte:
1) Os Judeus que não criam que Jesus era o Cristo.
2) O momento em que tais judeus deveriam decidir se Jesus era o Cristo ou não.
3) A decisão deveria ser tomada com base na demonstração das Escrituras.
E o mais importante que você precisa notar disso tudo é:
4) Jesus e os cristãos que provavam a sua causa com base nas Escrituras se posicionavam de forma contrária aos líderes de Israel, aos escribas e fariseus.
5) As Escrituras haviam chegado até eles, eram lidas e ensinadas pelos líderes de Israel.
6) Os judeus, que ainda não tinham chegado a uma conclusão se ele era o Cristo ou não, tinham que decidir a favor com base nas Escrituras e ao mesmo tempo contra os líderes de Israel.
Chegamos então a pergunta crucial que precisa ser feita então:

Se a existência de um magistério é necessário para a validação da Escrituras de forma que possa ser crida de que forma então poderia existir a obrigação moral de obediência a Jesus Cristo com base nas Escrituras em um contexto em que o magistério que existia estava contrário a Jesus Cristo?

Pois a distinção entre judeus crentes e judeus réprobos se dava pela obediência ou não as Escrituras e independente da decisão do magistério. As Escrituras tinha autoridade pra decidir a controversa sem que isso validasse o magistério existente e também sem sequer a existência de um magistério com essa função.
Se a existência de um magistério justo e válido é necessário para validar as Escrituras eu lhe pergunto de que forma então um judeu poderia escolher crer em Cristo com base em sua conclusão das Escrituras quando essa decisão era contrária aos líderes de Israel.
O que vemos aqui é o que eu estou dizendo desde o princípio. A Palavra de Deus encontra validação nela mesma, pela sua própria natureza inerente.

Tudo o que eu estou tentando mostrar até agora é que antes de refletirmos no que valida a Bíblia, precisamos refletir na natureza da Bíblia conforme o próprio testemunho dela e da relação epistemológica dela com todas as outras formas de conhecimento que existe.
Não podemos colocar aquilo que é Escritura na mesma categoria de conhecimento de todo restante de conhecimento humano. O que eu fiz até agora é somente mostrar a distinção de categoria e natureza que existe.

Eu já postei aqui:
1) A distinção entre validação/determinação e reconhecimento.
2) Que a Palavra de Deus nunca pode ser validada/garantida por homem algum, mas ela autentica a si mesma.
E a última coisa que eu mencionei:
3) Que a necessidade de reconhecimento da verdade da Escritura e a necessidade de reconhecimento de conclusões específicas com base nas Escrituras existiu no Novo Testamento sem a existência de um magistério validador e com todo o "magistério" em estado de apostasia.
A validação da Escritura não vinha do magistério judaico. Se viesse, eles não seriam passíveis de tantas apostasias, incluindo o assassinato do Senhor. Mesmo sendo o magistério judaico que havia transmitido a Escritura (Mateus 23).
A validação da Escritura vinha da autoridade inerente da Palavra de Deus que fora transmitida pelos profetas do Senhor
O Apóstolo Paulo escreveu:
"Assim, pois, não sois mais estrangeiros, nem forasteiros, antes sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo o próprio Cristo Jesus a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício bem ajustado cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus no Espírito". (Efésios 2.19-22)
E depois:
"E ele deu uns como apóstolos, e outros como profetas, e outros como evangelistas, e outros como pastores e mestres, tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo; para que não mais sejamos meninos, inconstantes, levados ao redor por todo vento de doutrina, pela fraudulência dos homens, pela astúcia tendente à maquinação do erro"(Efésios 4.11-14)
Aqui Paulo fala de diversos dons que Deus concedeu a Igreja. Ele explica que o objetivo desses dons é que "todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus...". É importante comparar isso com o que ele acabara de dizer: "Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé..." (Efésios 4.4-5) Todavia, como vemos a seguir, a plena unidade não era tido por ele como uma realidade já consumada, mas como uma esperança escatológica em processo de cumprimento.
Isso, por si só, deve nos fazer entender que divergências que existem na Igreja do Senhor não deve servir como base para que percamos a confiança em sua unidade fundamental. A Igreja é una. Mas como Paulo demonstra, a plena realização desta unidade de fé é uma esperança escatológica e não um fato já consumado.
O fato de que não era uma realidade já plenamente consumada é evidente quando lemos as próprias cartas de Paulo. Vemos claramente que em igrejas que ele próprio tinha fundado havia uma grande diversidade de pessoas, desde pessoas que ele elogia pelo alto grau de santidade e conhecimento teológico até pessoas que ele declara como estando separadas de Cristo. Haviam os de fraco entendimento teológico e os de entendimento desenvolvido.

Para que a esperança se torne realidade, diz o texto, que Deus "deu uns como apóstolos, e outros como profetas, e outros como evangelistas, e outros como pastores e mestres". Aqui precisamos notar algo muito importante. No capítulo 2, quando ele havia falado do edifício da Igreja, ele havia mencionado somente os apóstolos e profetas e omitido evangelistas, pastores e mestres.
A causa dessa omissão pode ser compreendida, se entendemos a função de cada um. Aos coríntios, ele escreveu:
"Pois, que é Apolo, e que é Paulo, senão ministros pelos quais crestes, e isso conforme o que o Senhor concedeu a cada um? Eu plantei; Apolo regou; mas Deus deu o crescimento. De modo que, nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. Ora, uma só coisa é o que planta e o que rega; e cada um receberá o seu galardão segundo o seu trabalho. Porque nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus. Segundo a graça de Deus que me foi dada, lancei eu como sábio construtor, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele. Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo". (I Coríntios 3.5-11)

Aqui é importante notar que ele não coloca Apolo como plantando ou lançando o fundamento. Ele coloca Apolo como o que rega aquilo que já foi plantado. Apolo edifica sobre o fundamento colocado por ele. A distinção aqui deve-se a distinção de funções. A distinção é que ele, Paulo, era um apóstolo e Apolo não era. Quem lança o fundamento é o Apóstolo. Esse é o motivo pelo qual no capítulo 2, quando ele havia falado do edifício da Igreja, ele havia mencionado somente os apóstolos e profetas e omitido evangelistas, pastores e mestres.

Para compreender melhor essa relação, precisamos refletir sobre o significado do ofício apostólico. Aos Gálatas, ele escreveu:
"Paulo, apóstolo (não da parte dos homens, nem por intermédio de homem algum, mas sim por Jesus Cristo, e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos..." (Gálatas 1.1)
Paulo, como de costume, começa declarando o seu apostolado. Em seguida ele faz três declarações importantes sobre sua função apostólica:
1) Não era da parte de homens.
2) Não era por intermédio de homem algum.
3) Era por Jesus Cristo e Deus Pai.
Ele continua a enfatizar isso no decorrer de todo o primeiro capítulo:

"Mas faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi anunciado não é segundo os homens; porque não o recebi de homem algum, nem me foi ensinado; mas o recebi por revelação de Jesus Cristo". (Gálatas 1.11-12)

Aqui ele dá três características do Evangelho por ele anunciado:
1) Não era segundo homens.
2) Não veio ao Evangelho por meio da evangelização de homem algum.
3) Foi-lhe ensinado diretamente por Jesus Cristo.
O que foi dito ai por Paulo poderia ser dito por qualquer apóstolo. Mas não pode ser dito por qualquer cristão. É verdade que aqueles que seguem o Evangelho, não seguem um Evangelho que é segundo homens. Seguem o Evangelho de Jesus Cristo. Mas ao mesmo tempo, não podem dizer que não vieram a este Evangelho sem intermédio de homens. Os cristãos comuns se tornaram cristãos pela pregação de outros ou pela leitura das Escrituras escritas por outros homens. Mas esse não foi o caso de Paulo e dos outros apóstolos. Eles foram instruídos diretamente pelo Senhor. E foram instruídos diretamente pelo Senhor com objetivo de lançar o fundamento da Igreja. 

Apolo não lança o fundamento da Igreja. Apolo edifica sobre o fundamento já lançado. Pastores, bispos, presbíteros, mestres, etc. não lançam o fundamento. Eles edificam sobre o fundamento já lançado. O fundamento é apostólico.

Mas alguns edificam melhor do que outros: "Segundo a graça de Deus que me foi dada, lancei eu como sábio construtor, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele". (I Coríntios 3.10)
É sobre essa função apostólica que Paulo fala aos Romanos:
"porque não ousarei falar de coisa alguma senão daquilo que Cristo por meu intermédio tem feito, para obediência da parte dos gentios, por palavra e por obras, pelo poder de sinais e prodígios, no poder do Espírito Santo; de modo que desde Jerusalém e arredores, até a Ilíria, tenho divulgado o evangelho de Cristo; deste modo esforçando-me por anunciar o evangelho, não onde Cristo houvera sido nomeado, para não edificar sobre fundamento alheio; antes, como está escrito: Aqueles a quem não foi anunciado, o verão; e os que não ouviram, entenderão". (Romanos 15.18-21)

Aqui Paulo fala de seu esforço pra conduzir os gentios a obediência a Deus. Ele cita Isaías pra demonstrar o que estava acontecendo por meio de seu ministério:

"Eis que o meu servo procederá com prudência; será exaltado, e elevado, e mui sublime. Como pasmaram muitos à vista dele, pois o seu parecer estava tão desfigurado, mais do que o de outro qualquer, e a sua figura mais do que a dos outros filhos dos homens. Assim borrifará muitas nações, e os reis fecharão as suas bocas por causa dele; porque aquilo que não lhes foi anunciado verão, e aquilo que eles não ouviram entenderão". (Isaías 52.13-15)

Ele menciona também que ele se esforçou para não anunciar o Evangelho "onde Cristo houvera sido nomeado", isto é, em Israel. Por qual motivo? Para "não edificar sobre fundamento alheio".
Se voltarmos a Gálatas, compreenderemos melhor o significado disto:

"(Porque aquele que operou eficazmente em Pedro para o apostolado da circuncisão, esse operou também em mim com eficácia para com os gentios), E conhecendo Tiago, Cefas e João, que eram considerados como as colunas, a graça que me havia sido dada, deram-nos as destras, em comunhão comigo e com Barnabé, para que nós fôssemos aos gentios, e eles à circuncisão". (Gálatas 2.8-9)
Aqui vemos qual era a ênfase do ministério de cada um. Paulo certamente pregava aos judeus e não somente aos gentios. Da mesma forma que os demais apóstolos certamente pregavam para os gentios. Mas a ênfase do apostolado de Paulo, o seu ministério eram os gentios. Enquanto isso, a ênfase do apostolado de Pedro, Tiago e João eram os judeus.

É por isso que aos Romanos ele diz que se esforçou para não anunciar o Evangelho "onde Cristo houvera sido nomeado", isto é, em Israel, para "não edificar sobre fundamento alheio". O fundamento alheio era o fundamento daqueles que eram os apóstolos da circuncisão, os apóstolos dos judeus.

Isso por si só é suficiente pra negar a realidade de Pedro como o cabeça da Igreja Universal. O que Paulo procura provar de todas as formas desde o início de Gálatas era que sua autoridade era equivalente a dos demais apóstolos e que não era de qualquer forma subordinado a eles. Ele começa enfatizando isso desde o primeiro verso da carta, fazendo questão de mencionar que nem sequer conhecia os demais apóstolos direito, então, ele chega a mencioná-los de forma a enfatizar sua autoridade igual. Além disso, Paulo explicitamente coloca Pedro, não como cabeça da Igreja Universal, mas como tendo o seu ministério voltado para uma parte da Igreja Universal - os judeus.
A realidade de Pedro como cabeça da Igreja Universal também é negado pelo que já lemos em sua carta aos Efésios. Pois lá diz:
"E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, Querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo... Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo..." (Efésios 4.11-12,15).
Aqui Paulo cita os apóstolos, o que incluiria Pedro, mas nada ensina sobre a cabeça apostólica, mas declara Cristo como a sua cabeça.
Que os apóstolos pertencem ao corpo e não a cabeça é ainda mais confirmado pelo que ele diz aos Coríntios:
"Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também... Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos. Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo? E se a orelha disser: Porque não sou olho não sou do corpo; não será por isso do corpo? Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde estaria o olfato? Mas agora Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis... Antes,os membros do corpo que parecem ser os mais fracos são necessários; E os que reputamos serem menos honrosos no corpo, a esses honramos muito mais; e aos que em nós são menos decorosos damos muito mais honra. Porque os que em nós são mais nobres não têm necessidade disso, mas Deus assim formou o corpo, dando muito mais honra ao que tinha falta dela... Ora, vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular. E a uns pós Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas. Porventura são todos apóstolos? são todos profetas? são todos doutores? são todos operadores de milagres? Têm todos o dom de curar? falam todos diversas línguas? interpretam todos?"(1Co 12:12,14-18,24,27-30)
Aqui Paulo fala da necessidade de existir unidade no corpo. Aqui está implícito o que eu havia dito anteriormente. Que a plena unidade não era tido por ele como uma realidade já consumada, mas como uma esperança escatológica em processo de cumprimento. Pois ao mesmo tempo em que ele declara que havia um só corpo, ele manda que se comportassem de forma coerente a isso. Isso significa que apesar da unidade existir em princípio, não era uma realidade já plenamente visível, pois se fosse não seria necessário mandar isso a Igreja.
Além disso, aqui vemos explicitamente os apóstolos sendo classificados como os membros do corpo, o que inclui Pedro, apóstolo dos judeus. Isso não significa que eles eram iguais aos demais membros. Paulo fala da distinção entre os membros e inclusive diz que há funções mais honrosas e membros menos honrosos e é exatamente por isso que ele enfatiza a necessidade de não se desprezar os menos honrosos. Eu creio que isso era uma preparação para o que ele estava prestes a dizer sobre o dom de línguas. Para que quando ele o colocasse como tendo pouca importância, o dom não fosse completamente desprezado. A função de cada membro é distinta. Os apóstolos são distintos, como eu já citei logo acima, mas de forma alguma qualquer um deles são cabeça da Igreja, mas são membros do corpo. 
Tendo dito isso, podemos começar a compreender onde nós devemos procurar o fundamento de nossa fé. E compreender a relação desses fundamentos com tudo o que vem depois, a chamada "tradição", que é a História da Igreja, vejamos o que Paulo ensinou aos líderes da Igreja de Éfeso.
"E de Mileto mandou a Éfeso, a chamar os anciãos da igreja. E, logo que chegaram junto dele, disse-lhes: Vós bem sabeis, desde o primeiro dia em que entrei na Ásia, como em todo esse tempo me portei no meio de vós, servindo ao Senhor com toda a humildade, e com muitas lágrimas e tentações, que pelas ciladas dos judeus me sobrevieram; Como nada, que útil seja, deixei de vos anunciar, e ensinar publicamente e pelas casas, testificando, tanto aos judeus como aos gregos, a conversão a Deus, e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo. E agora, eis que, ligado eu pelo espírito, vou para Jerusalém, não sabendo o que lá me há de acontecer, senão o que o Espírito Santo de cidade em cidade me revela, dizendo que me esperam prisões e tribulações. Mas em nada tenho a minha vida por preciosa, contanto que cumpra com alegria a minha carreira, e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus. E agora, na verdade, sei que todos vós, por quem passei pregando o reino de Deus, não vereis mais o meu rosto. Portanto, no dia de hoje, vos protesto que estou limpo do sangue de todos. Porque nunca deixei de vos anunciar todo o conselho de Deus. Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue. Porque eu sei isto que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho; E que de entre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si. Portanto, vigiai, lembrando-vos de que durante três anos, não cessei, noite e dia, de admoestar com lágrimas a cada um de vós". (Atos 20.17-31)
Paulo manda chamar os líderes da Igreja de Éfeso. O objetivo era dar ultimas instruções antes de sua partida. A primeira coisa que ele faz é trazer a memória a necessidade de se manter firme no fundamento apóstolico que por ele fora lançado. É o mesmo que ele explica em sua carta aos Efésios. 

Em seguida ele dá um aviso importante. Ele fala da necessidade dos líderes da Igreja de proteger o rebanho de lobos cruéis. A capacidade dos líderes de proteger o rebanho é ensinado com clareza a Tito: "Retendo firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina, como para convencer os contradizentes. Porque há muitos desordenados, faladores, vãos e enganadores, principalmente os da circuncisão, Aos quais convém tapar a boca; homens que transtornam casas inteiras ensinando o que não convém..." (Tito 1.9-11)

Mas logo em seguida, ele diz que esses lobos não estariam somente entre eles, mas que muitos seriam líderes da Igreja. Os lobos não seriam somente uma força externa a Igreja ou mesmo interna entre as ovelhas, mas seriam também muitos bispos/presbíteros.
As implicações disso são de extrema importância e não pode de qualquer forma ser ignorado. Se os bispos/presbíteros eram passíveis de ensinar erro isso confirma que os próprios bispos/presbíteros não podem ser considerados como sendo a base fundamental da Igreja. Aqui que é passível de erro, não pode ser racionalmente considerado como critério de validação dogmático.
A situação aqui é análoga a situação sob o Antigo Pacto. Os judeus precisavam se manter fiéis a doutrina de Moisés e dos santos profetas. Para isto, os levitas tinham a função de ensinar o povo conforme a doutrina de Moisés e dos profetas. Todavia, não havia garantia incondicional de acerto por parte dos levitas naquilo que eles ensinavam. Havia a possibilidade deles estarem ensinando o erro.
Da mesma forma, os bispos, pastores, presbíteros, etc. agora tem a responsabilidade de ensinar a verdade conforme os fundamentos de Moisés, dos santos profetas e dos santos apóstolos. Ao mesmo tempo, não há garantia incondicional de acerto por parte dos mesmos naquilo que ensinam. Existe a possibilidade deles estarem ensinando o erro.
Aqui então, eu faço até um trocadilho pra ficar claro:
A Igreja jamais poderá ser Presbiteriana ou Episcopal. Ela sempre deverá ser Apostólica! Apostólica no fundamento dogmático, é claro...
Já na forma de governo ela poderá ser presbiteriana ou episcopal...
Aqui então surge o centro do problema que está sendo tratado aqui:

Enquanto Moisés estava vivo, ele poderia ser consultado diretamente, oralmente como os hebreus muitas vezes fizeram. Não por qualquer autoridade inerente em Moisés, mas pelo fato dele transmitir os oráculos do Senhor. Oráculo este que não é validado por qualquer autoridade humana, mas pela autoridade inerente da Palavra de Deus e que justamente por esse motivo não poderia ser validado por qualquer outra autoridade acima dela mesmo.
Mas o que acontece quando Moisés morre e já não poderia ser consultado pessoalmente?
"E chamou Moisés a Josué, e lhe disse aos olhos de todo o Israel: Esforça-te e anima-te; porque com este povo entrarás na terra que o SENHOR jurou a teus pais lhes dar; e tu os farás herdá-la. O SENHOR, pois, é aquele que vai adiante de ti; ele será contigo, não te deixará, nem te desamparará; não temas, nem te espantes. E Moisés escreveu esta Lei, e a deu aos sacerdotes, filhos de Levi, que levavam a arca da aliança do SENHOR, e a todos os anciãos de Israel... Ajunta o povo, os homens e as mulheres, os meninos e os estrangeiros que estão dentro das tuas portas, para que ouçam e aprendam e temam ao SENHOR vosso Deus, e tenham cuidado de fazer todas as palavras desta Lei..." (Deuteronômio 31.12)
Aqui vemos que todo o povo incluindo seus descendentes tinha a responsabilidade de ouvir e obedecer a Lei que fora dada por Moisés. Incluindo os judeus no tempo de Jesus. Para que fosse possível o povo saber da Lei e assim obedecer, a Lei foi deixada por escrito nas mãos de quem? Nas mãos dos levitas.
Ah... Dos levitas...
São dos levitas que Deus vai dizer depois:
"Agora, ó sacerdotes, este mandamento é para vós. Se não ouvirdes e se não propuserdes, no vosso coração, dar honra ao meu nome, diz o SENHOR dos Exércitos, enviarei a maldição contra vós, e amaldiçoarei as vossas bênçãos; e também já as tenho amaldiçoado, porque não aplicais a isso o coração. Eis que reprovarei a vossa semente, e espalharei esterco sobre os vossos rostos, o esterco das vossas festas solenes; e para junto deste sereis levados. Então sabereis que eu vos enviei este mandamento, para que a minha aliança fosse com Levi, diz o SENHOR dos Exércitos. Minha aliança com ele foi de vida e de paz, e eu lhas dei para que temesse; então temeu-me, e assombrou-se por causa do meu nome. A lei da verdade esteve na sua boca, e a iniqüidade não se achou nos seus lábios; andou comigo em paz e em retidão, e da iniqüidade converteu a muitos. Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e da sua boca devem os homens buscar a lei porque ele é o mensageiro do SENHOR dos Exércitos. Mas vós vos desviastes do caminho; a muitos fizestes tropeçar na lei; corrompestes a aliança de Levi, diz o SENHOR dos Exércitos". (Malaquias 2.1-8)
Caso eu seguisse a linha de raciocínio romana, eu deveria concluir que os levitas formavam algum tipo de "magistério validador" e por isso eram ao lado de Moisés e dos Profetas, um fundamento incondicional de fé, já que era por meio deles que o povo recebia a Escritura.
É uma linha de raciocínio aparentemente "lógica". O problema é que não se deve raciocinar "logicamente". Deve-se raciocinar biblicamente! Por isso que defendemos o pressuposionalismo. Se a Bíblia demonstra claramente que um magistério validador, isento de críticas e transmissor da Escritura não é necessário pra validar a Escritura, eu concluo que um magistério validador, isento de críticas e transmissor não é necessário pra validar a Escritura e ponto final. O motivo é porque a validação da Palavra de Deus é feita pelo próprio Deus em sua Divina e Soberana Providência, preservando a sua Palavra anunciada pelos profetas e apóstolos e confirmando a sua verdade, de diferentes formas no coração dos seus. Moral da história: Deus é Soberano.

Então a Lei, escrita por Moisés, foi a base para os posteriores judeus identificarem quem era realmente profeta e quem não era. Jeremias pregava contra o magistério. Os profetas do magistério pregava contra Jeremias. Ele era coerente com a Palavra de Deus registrada por Moisés. O magistério e seus profetas não eram. Portanto, a Palavra de Deus dita por meio de Moisés validava a Palavra de Deus dita por Jeremias. A Palavra de Deus valida a Palavra de Deus. Com base nessa validação mutua, os judeus fiéis deveriam crer em Jeremias e não no magistério e nos “profetas” do magistério. Está implícito nisso tudo a necessidade de existir uma capacidade individual de discernir a Palavra de Deus independente da soberania incondicional do magistério. Lutero chamou isso de livre-exame. O Papa chama de anarquia. A Palavra de Deus dita por meio de Jeremias valida Lutero. O magistério judaico valida o Papa. Ficamos então com Moisés, Jeremias e Lutero nessa briga.
O mesmo aconteceu no tempo de Jesus.
O magistério judaico transmitia a Escritura, e de igual modo a "tradição dos anciões". Jesus confirmou a Escritura e destruiu a tradição dos anciões:

"Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? pois não lavam as mãos quando comem pão. Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Por que transgredis vós, também, o mandamento de Deus pela vossa tradição?" (Mateus 15.2-3)
Por que os judeus deveriam crer em Jesus, alguém que surge do nada, e não no magistério que o declarava como sendo um "zé ninguém"? Pelo mesmo motivo que deveriam crer em Jeremias. Jesus estava em conformidade com a Palavra de Deus. O magistério não. Mesmo tendo escribas transmissores das Escrituras. Era a Palavra de Deus validando a Palavra de Deus. 

"E ele lhes disse: O néscios, e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura não convinha que o Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua glória? E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras". (Lucas 24.25-27)

E isso, sem magistério bater o martelo nem nada. Eles eram néscios porque não tinham contrariado a opinião do magistério que havia lhes dado as Escrituras.
Sobre a Escritura, Paulo escreveu:
"Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça; Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra. 
(II Timóteo 3.16-17)
Esse verso é muito conhecido. Mas seu contexto é pouco lembrado. O capítulo começa dizendo:
"Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos. Porque haverá homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, Traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, Tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te. Porque deste número são os que se introduzem pelas casas, e levam cativas mulheres néscias carregadas de pecados, levadas de várias concupiscências; Que aprendem sempre, e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade". (II Timóteo 3:1-7)

O objetivo de Paulo neste capítulo é avisar a Timóteo sobre a necessidade de evitar e não imitar pessoas com determinados comportamentos. Como ele diz também:

"...os homens maus e enganadores irão de mal para pior, enganando e sendo enganados. Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido..." (II Timóteo 3.13-14)

O meio pelo qual Timóteo não seria como aqueles que vão de mal a pior era permanecendo naquilo que ele havia aprendido e era inteirado. É ai que Paulo menciona que:
"Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça; Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra. 
(II Timóteo 3.16-17)
Muitos entendem que quando diz aqui "Toda Escritura", ele está se referindo somente ao que conhecemos Antigo Testamento.
Há um motivo forte pra ele pensar assim. No verso anterior, ele havia dito:

"E que desde a tua meninice sabes as sagradas Escrituras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus". (II Timóteo 3.15)

Na meninice de Timóteo, não havia Novo Testamento. Isso não significa que no verso seguinte ele esteja se referindo somente ao Antigo Testamento?

Há inúmeros motivos que demonstram como isso não é o caso.
1) Em I Timóteo, Paulo já havia citado um evangelho como sendo Escritura:
"Porque diz a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha. E: Digno é o obreiro do seu salário". (I Timóteo 5.18)
A citação vem de Lucas:
"E ficai na mesma casa, comendo e bebendo do que eles tiverem, pois digno é o obreiro de seu salário. Não andeis de casa em casa". (Lucas 10;7)

Em Mateus, há um texto parecido, mas com uma variação. A palavra "alimento" no lugar de "salário".
"nem de alforje para o caminho, nem de duas túnicas, nem de alparcas, nem de bordão; porque digno é o trabalhador do seu alimento". (Mateus 10.10)

2) Os próprios escritos de Paulo já eram considerados como "Escrituras":

"e tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor; como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada; como faz também em todas as suas epístolas, nelas falando acerca destas coisas, mas quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, como o fazem também com as outras Escrituras, para sua própria perdição". (II Pedro 3.15-16)
O motivo pelo qual isso tudo já era considerado "Escritura" é simples. Vinham do circulo apostólico que era equivalente ao circulo profético do Antigo Testamento. A autoridade apostólica era equivalente a autoridade dos grandes profetas. Por isso Paulo exigia obediência aos seus escritos:
"Mas, se alguém não obedecer à nossa palavra por esta carta, notai-o e não tenhais relações com ele, para que se envergonhe". (II Tessaloniscenses 3.14)

3) De que forma somente o Antigo Testamento poderia ser suficiente para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra?
Há muitas coisas importantes necessárias para a perfeita instrução que não estão contidas no Antigo Testamento. A perfeita instrução do cristão depende dos dois testamentos. Se ele tem o Antigo Testamento somente, ele não poderá ser perfeitamente instruído, pois haverá coisas lá que ele não deve fazer e haverá coisas que ele deve fazer que não estará lá.

A questão é que "Escrituras" é o nome técnico usado pra se referir ao conjunto específico de livros especialmente inspirados por Deus para efetuar a perfeita instrução de seu povo.
O Antigo Testamento são Escrituras, certamente. Mas não são toda Escritura. Tudo o que Paulo estava dizendo é que Timóteo havia sido instruído nas Escrituras desde sua meninice. Mas no verso seguinte ele descreve a função de toda Escritura, da Escritura em sua totalidade incluindo aquilo que Timóteo não conhecia quando criança mas que havia sido citado como Escritura pra Timóteo em sua primeira carta a ele.
Este verso ensina a soberania da Escritura como determinadora do bem e do mal. Em resumo, este verso ensina o Sola Scriptura.
Pois ele ensina que a Escritura é divinamente inspirada "para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra".

Isso significa que não pode existir qualquer boa obra da qual o homem precisa ser instruído que não esteja lá. Isso significa que não pode existir qualquer conceito do que seja bom e do que seja ruim que não seja ensinado nas Escrituras.

Caso exista, então esse versículo não pode ser verdadeiro. Pois, se existir alguma instrução que o homem precisa receber sobre o que é uma boa obra e o que é uma obra má, que não esteja na Escritura, isso significa que a Escritura não foi Divinamente inspirada com o objetivo de instruir o homem perfeitamente, mas seria verdade que ela foi Divinamente inspirada para instruir o homem imperfeitamente, sendo necessário uma instrução adicional daquilo que não está lá.
Prestar culto a Maria e fazer procissão com sua imagem, por exemplo, como a Rainha dos Céus, Nossa Senhora e imaculada de todo pecado, portanto não pode ser uma boa obra, mas é uma obra má, pois caso fosse uma boa obra teria que ser instruído pela Escritura que é "divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça; Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra. (II Timóteo 3.16-17)
Mas como já falamos, é com base na própria Escritura que podemos chegar a compreensão correta do que de fato é a Escritura.
É somente com a compreensão deixada pela própria Escritura e não por qualquer imposição de "lógicas" na Escritura que contradizem o testemunho interno da Escritura.
Nós já vimos que aquilo que faz parte da Escritura vem do circulo apostólico, cujo fundamento dogmático foi lançado no primeiro século e que depois disso não houve fundamento sendo lançado, mas o que houve é o edifício da Igreja sendo construído, como ainda está sendo construído.

Nós já vimos também que a existência de um magistério validador da Escritura não é necessário para o reconhecimento da Escritura, pois isso iria contradizer o testemunho interno da própria Escritura.
Somente quando compreendemos isso, podemos ter uma abordagem sadia da História da Igreja pós-apostólica, que é o que chamam de tradição.

Como foi mencionado no princípio, temos que ter em mente a distinção entre determinador de autoridade, validação, etc... e reconhecimento. A analise da História é um dos meios pelo qual chegamos ao reconhecimento da Escritura ao mesmo tempo em que nenhum evento da História da Igreja é de qualquer forma um determinador da autoridade da Escritura, pois a Palavra de Deus tem autoridade inerente. A analise da História nos leva aos escritos em suas origens, da mesma forma que um judeu do tempo de Jeremias reconheceria a Lei escrita de Moisés como tendo origem nele pela sua origem histórica.
Mas ao mesmo tempo reconhecemos que a Escritura não é um livro que está para ser julgado como qualquer outro pelo testemunho histórico, mas a sua verdade é garantida, em última instância, pelo testemunho do Espírito Santo em nossos corações que sela a nossa fé nas Escrituras.
É somente quando compreendemos isso, que estamos prontos pra discutir cânon e o conteúdo das Escrituras. Não se trata de uma reflexão sobre a autoridade determinativa das Escrituras a parte da Igreja na História, mas é uma reflexão sobre o reconhecimento da autoridade determinativa da Escritura pela Igreja em sua História.
Tendo isso compreendido, podemos começar a discutir o cânon.

O que eu disse aqui tem implicações não somente para discutir o conteúdo das Escrituras, mas também outras questões como unidade da Igreja, possibilidade de reconhecimento de pontos fundamentais e não-fundamentais dentro da Escritura (que faz parte do conceito de inteligibilidade da Escritura) entre outros assuntos.

Uma última consideração importante é o mito da formação do cânon pelo Concílio de Nicéia. O objetivo do mito é tentar associar a formação da Escritura com supostos interesses políticos do Império Romano e assim destruir a possibilidade de confiança na Bíblia.
Mas a verdade é que não existiu no Concílio de Nicéia qualquer discussão sobre o conteúdo do cânon. Não há qualquer evidência que qualquer discussão desse tipo tenha existido lá em lugar nenhum se não em mentes depravadas que procuram militar contra o Cristianismo. Há alguns meses eu conversei com um suposto "judeu messianico" que tentou argumentar esse mito. Eu ofereci a ele R$ 1.000 reais caso ele conseguisse me provar as histórias que ele contava sobre a seleção do cânon lá. Ele disse que ia obter provas. Eu continuo com o meu dinheiro e ele sumiu desde então.

O que foi discutido no Concílio de Nicéia não foi o conteúdo das Escrituras, mas a sua discussão principal foi a doutrina da Trindade. Eu cito esse fato aqui pelo seguinte motivo.
O que a História nos mostra é que o debate em Nicéia aconteceu tendo como premissa a Escritura. Cada lado da discussão, os arianos e os trinitarianos, citavam a Escritura pra defender a sua causa. Isso aconteceu sem que tivesse tido qualquer discussão previa sobre o conteúdo das Escrituras. O motivo pelo qual não foi necessário uma discussão prévia sobre o conteúdo das Escrituras era porque esse conteúdo já era pressuposto pela pelos participantes do debate que representavam as duas opiniões existentes na Igreja desde então. A conclusão do Concílio de Nicéia foi tomado com base em conclusões da Escritura somente. Isso significa que o Concílio de Nicéia não tem qualquer autoridade inerente, mas que sua autoridade se deriva da correta conclusão a respeito do testemunho da Palavra de Deus.
Devemos ser fiéis as conclusões do Concílio de Nicéia, mas não porque o Concílio de Nicéia tenha autoridade inerente e determinante, mas porque o Concílio de Nicéia foi fiel a Palavra de Deus, esta sim tem autoridade inerente. A validade do Concílio de Nicéia é garantido pela sua fidelidade em reconhecimento da Palavra de Deus.
SOLA SCRIPTURA, SOLA GRATIA, SOLA FIDE, SOLI DEO GLORIA!

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Texto Revisado, Editado e Modificado com permissão do Autor por: Átila Calumby

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